quarta-feira, 25 de maio de 2011

Luiz Julio Bertin - Autobiografia-Parte um

LUIZ JULIO BERTIN
AUTOBIOGRAFIA – SAGA DA FAMILIA BERTIN
HISTÓRIA DA MINHA VIDA
Luiz Júlio Bertin
1934-201...
Profissão de fé:
Creio em Deus.
Creio no homem criado à imagem e semelhança de Deus.
Creio no Livre Arbítrio.
Creio na inteligência do homem e na sua liberdade.
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Brasão da família Bertin outorgado pelo Frances Rei Carlos (rei da França desde 1483, rei de Nápoles, Itália, em 1495), em reconhecimento aos serviços prestados ao Reino Frances à época de LUIZ XI.1
1 - Carlos VIII foi rei de França. Nasceu em Amboise em 30 de junho de 1470, filho único de Luís XI e morreu em Amboise em sete de abril de 1498, estando sepultado em St. Denis. Chamado o Afável, durante seu reinado desejou conquistar a Itália. Foi rei da França desde 1483, rei de Nápoles, Itália, em 1495. Foi esse Rei que, em uma das suas guerras de conquista, para consolidar território como era o costume, estabeleceu na Itália membros da nossa família Bertin que o acompanhava, com o objetivo de garantir a posse do território conquistado..
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"A história é êmula do tempo, depósito de ações, testemunha do passado e aviso do presente, advertência do porvir.‖ 2
Don Quixote Del La Mancha.
―Não existe nada de novo, exceto aquilo que se esqueceu.‖ (Mademoiselle Bertin) 3
Rose Bertin.
Mário Quintana4
A vida...
"A vida são deveres, que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
2 Miguel de Cervantes Saavedra, 1547-1616 – dispensa comentários.
3 Mademoiselle Bertin (Rose Bertin) foi uma estilista francesa que introduziu novidades da moda do seu tempo, cuja historia se encontra inserida nesta biografia, por pertencer à família..
4 Mário Quintana, poeta gaúcho.
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Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais
para ser reprovado...
Se me fosse dada, um dia,
outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada
e inútil das horas...
Dessa forma, eu digo: não deixe de fazer algo que gosta
devido à falta de tempo. A única falta que terá, será desse
tempo que, infelizmente, não voltará mais."
A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Charles Chaplin.
Ao escrevermos a história, estaremos dando um futuro ao nosso passado.
Luiz Júlio Bertin
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LUIZ JULIO BERTIN – AUTOR DESTA BIOGRAFIA5.
Eu, Luiz Júlio, filho de Elisena Fontana e Cesar de Oliveira Bertin -, tendo percorrido quase todo o caminho da minha vida, estando perto do meu destino e a final, com seis filhos, com muitas árvores plantadas, escrevo este livro contendo a minha biografia, sentido extrema necessidade de fazê-lo, o qual, necessariamente, envolve a minha família e a história relativa ao meu período vivido6.
Como seres humanos, temos necessidade de sermos reconhecidos por nossa existência. Não importa se o que realizamos foi importante ou não. Não importa que tenhamos apenas existido, mas sim, o que realizamos e se deixamos frutos durante a vida. Como ficaria a passagem da nossa existência se os acontecimentos que envolvem uma pessoa durante a sua vida fossem ignorados pelos seus descendentes? Todos têm uma origem e assim, existe a necessidade de se fixar um inicio, meio e fim para que ela seja preservada e reconhecida. Não existe o vazio, nem antes e nem depois e, o presente é o marco onde podemos estabelecer a nossa existência7.
Não estou afirmando que os fatos e os acontecimentos que marcaram minha vida tenham sido importantes e que tenham influenciado significativamente com quem eu convivi a ponto de mudar o curso da história, mas, com certeza, em razão da minha existência, muitas pessoas foram atingidas: esposas, filhos, netos e bisnetos, amigos e até os meus ―inimigos‖ (se é que
5 - Esta foto foi feita por minha irmã Tere por ocasião da minha estada em Roma em fins de 2008.
6 Quando resolvi escrever este livro, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi que eu não possuía nenhuma experiência redacional suficiente para enfrentar esta jornada. Percorreu-me um calafrio pela espinha. Isso atrasou meu plano de escrever minha história pessoal por algum tempo, mas, transcorrido dois anos, já “curtido” e convencido dessa necessidade, percorrendo e pesquisando antes diversos autores auto biografados, convenci-me que deveria iniciá-la, mesmo correndo o risco de um fracasso literário. A final, desde que eu colocasse nas suas linhas, acontecimentos e fatos sem a beleza que se espera dos grandes autores, pelo menos, deveria contar a história com detalhes suficientes que informassem com honestidade e precisão todos os fatos essenciais que pudessem dar, mesmo que fosse uma leve idéia do que foi minha vida e a saga da família.
7 Mas, o que verdadeiramente motivou esta biografia foi o fato de aceitar o inevitável, a morte, mas tendo como compensação o recurso da escrita e da internet, o que me permite falecer, mas não desaparecer. Não quero ser um anônimo e nem um ilustre desconhecido. Pelo menos com este livro, creio estar driblando essa fatalidade.
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os tenho). Então, como deixar de registrar acontecimentos e sonegar certos fatos que, com certeza, contribuíram para a perpetuação dos meus entes queridos e a continuação da minha descendência, provocando a vida, moldando-a, revelando a saga da família para a família e deixando a minha marca e experiências enquanto vivo? Esses e mais alguns fatores que julgo importante me levaram a considerar a necessidade deste registro.
Desde cedo a minha preocupação para com os meus semelhantes se destacou no meu íntimo. Espontâneo para mim, pois eu tinha consciência dessa circunstância, por natural que era. Mas, com o transcorrer do tempo, cada vez mais, consolidou-se e passou a fazer parte da minha personalidade. Não me questionava quando prestava serviços a outras pessoas. Sempre senti prazer nisso. Nem sequer me passava pela cabeça qualquer retribuição enquanto me ocupava em prestar serviços que normalmente deveriam ser remunerados. Nem mesmo esperava ser recompensado e ou reconhecido de qualquer forma. Bastava minha satisfação íntima. Meus esforços não esperavam remuneração financeira, nem mesmo quando me aventurei no primeiro empreendimento ou nos posteriores.
Acostumei-me à minha família numerosa, cercado de irmãos e a conseqüente movimentação que disso resultava desde que tomei consciência do meu lugar neste mundo. Talvez, pela inexistência de dificuldades materiais e espirituais, não sentia grandes preocupações e nunca me passou pela cabeça que, qualquer dia, viria a tê-las. Também não planejei e nem elaborei planos que me levaram a colaborar, sempre que a oportunidade se me apresentava e, era com disposição e alegria que me propunha em ajudar meus pais nas suas duras tarefas de criar-nos. Tive uma infância e uma juventude calma e sem responsabilidades. Meus pais sempre nos supriram, a mim e aos meus irmãos, de qualquer necessidade que pudéssemos vir a ter. Fomos criados e educados com amor e compreensão por nossos pais, que sempre nos deram educação esmerada, alimentação adequada e cuidados que naquela época, eram realmente difíceis de serem executados.
Minha mãe era uma incansável trabalhadora. Dedicou-se até o fim da sua vida para que a sua família, seu companheiro e filhos tivessem as melhores condições de vida. Por outro lado, enquanto meu pai labutava como provedor nas suas lutas diuturnas; ela cuidava da nossa espiritualidade, saúde física e mental, asseio e alimentação, assim como confeccionava nossas roupas e nos entretinha, orientando-nos nos nossos estudos e na nossa esmerada educação. Nunca se descuidou da nossa educação religiosa, pois, acreditava como eu acredito que apenas essa condição, garantiria a nossa formação moral, ética e psicológica, para que todos pudessem enfrentar os seus destinos. Sua própria educação lhe garantia conhecimento quase técnico que lhe permitiu pleno sucesso nesse seu empreendimento. Em minha opinião, sua dedicação, amor e trabalho, foram coroados de pleno êxito.
Sem traumas, desde cedo, fui criado dentro de princípios rígidos da moral cristã católica apostólica romana imposta sutilmente pela minha mãe, que, além de se preocupar com a responsabilidade em atender o marido e aos filhos, estendia sua preocupação aos seus semelhantes, dedicando-se às obras assistenciais existentes na paróquia de Santa Terezinha a que pertencia, enquanto em Joaçaba. Fazia parte dos movimentos da Igreja, principalmente das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, entidade a que fez parte, assiduamente, até o fim da sua vida. À minha maneira de ser, acredito, deve ter sido proveniente daquela formação cultural e educacional da sua ascendência italiana, da qual minha mãe descendia e, da parte do meu pai, embora que, com sua formação não tão religiosa a francês-gaúcha e militar. Além disso, ambos tiveram uma educação esmerada; minha mãe, influenciada pela família e pelos educandários que freqüentou (dirigidos por irmãs religiosas especialistas em educação; das Irmãzinhas do Colégio Cristo Rei, em Herval D oeste) e, o meu pai, com a sua excelente formação escolar do Colégio Elementar de São Borja, único colégio da cidade que na época ministrava ensino básico até o ginasial que correspondem hoje aos do nosso ensino
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fundamental. Além disso, sofrera influencia familiar européia à francesa e portuguesa8, influenciado ainda, pelo seu contato no meio político, social e do rigor da sua formação cívico militar.
Retornando ao ―fio da meada‖, nunca tomei aquela preocupação a que me referi acima como um ônus, mas sim naturalmente, por ter se tornado um hábito: Servir aos outros sempre me proporcionou muita satisfação e paz de espírito. Sempre me senti recompensado em ajudar pessoas e entidades.
Assim, toda a minha atenção se voltou para a minha família, meu círculo de amizades e para a comunidade. É uma coisa que sempre esteve em mim, essa preocupação pelos meus semelhantes e a responsabilidade pelo futuro da raça humana e, assim, continua até hoje. E não pensem que estou requisitando méritos e reconhecimento. Continue lendo esta autobiografia, que você verá que nas minhas afirmações não existem exageros.
Estando perto da reta final desta jornada, fui tentado constantemente a me perguntar se valeu à pena ter vivido e se após toda essa luta pela sobrevivência, alguém levaria em consideração a minha existência, o meu esforço, a minha preocupação e... A resposta? É não. Com certeza é não! Assim, como vocês podem perceber essa não foi a principal razão que me levou a fazer este registro.
Sempre me senti assim. Sempre procurei algo mais: Toda a minha vida transcorreu na expectativa de que algo muito grande, muito formidável, muito extraordinário fosse acontecer. Assim como embarcar numa potente e extraordinária nave espacial e sair por esse universo afora para desvendar os seus segredos. Conseguindo, assim, poderes extraordinários, imortalidade e muita riqueza para que pudesse - sem falsa modéstia - ajudar as pessoas que me cercavam perto ou distantes. Não se trata apenas de um sonho, não se trata de coisa miúda, mas sim de ter poder sempre disponível, o necessário para auxiliar e tirar todos da situação de pobreza física e moral em que a maioria é colocada. No fim, aguardando o momento inevitável da morte, eu poderia me perguntar se viver realmente valeu à pena. E, responder: Valeu!
Não me preocupo ser tomado como um ―sonhador‖, pois o sonho faz parte da natureza humana e é o que torna a vida interessante. E a perspectiva do futuro, então, torna-a mais emocionante.
Realmente, sempre tive toda essa preocupação. Após a minha modesta passagem por este mundo, no meu estágio terrestre, a minha existência e os meus atos só seriam reconhecidos e levados em consideração se estivessem registrados de alguma forma. E, a única forma para isso acontecer, seria manter através dos registros, os acontecimentos e os fatos que, necessariamente deverão ficar gravados nesta autobiografia, nada mais. Passamos por este mundo praticamente anônimo. E eu, da minha parte, quero deixar alguma marca algum vestígio da minha passagem. Recuso-me a simplesmente desaparecer. Também por que, à medida que os anos vão se somando à minha existência, tudo parece que se torna necessariamente urgente. Parece que não tenho tempo para mais nada.
Toda autobiografia é composta de realizações, sonhos, verdades, e um pouco de inverdades que são necessárias, às vezes nem tanto.
Por isso, o leitor fica avisado desde já. Procurarei expor os acontecimentos tão fiéis quanto possíveis, o mais próximo da realidade, sem que isso contenha a intenção deliberada de torcer os fatos ou de modificar a historia. Isso obrigará o leitor mais ou menos atento a procurar
8 Meus pais eram portadores de uma carga cultural européia, sempre influenciada pela religiosidade católica, característica que predominou na minha família em todos os seus membros no passado e no presente.
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interpretar algumas situações à sua maneira. Alguns relatos poderão conter sugestões ou insinuações que exigirá do leitor um exercício de imaginações mais ou menos férteis e sutis, e outros, poderão parecer incógnitas ou de difícil dedução. O que não deverá preocupá-lo, pois procurarei, na medida do possível, mantê-lo informado.
Todos os fatos ocorridos desde o meu nascimento serão aqui expostos à medida que me ocorrerem, sem nenhuma intenção de distorcê-los, a não ser aqueles necessários para tornar à narrativa não só a mais atraente possível, mas, também, a mais fiel. A vida intima de qualquer personagem não será exposta, mas, como autor, em alguns momentos, tentarei expor fatos que considerar necessários, em razão da transparência e da verdade. Quando os fatos se relacionarem exclusivamente a mim, procurarei ser o mais fiel na minha narrativa, mas, quando outras pessoas estiverem envolvidas, deverei ser o mais discreto possível. E se porventura, uma ou outra pessoa for citada e se relacionar comigo, espero ser perdoado por ela pela transparência com que exponho a verdade.
O leitor me considerará narcisista? Egoísta? Sonhador? Ora, que bobagem...
Narcisismo ou valor histórico
Quando me passava pela cabeça que a minha existência seria ignorada pelos meus descendentes e amigos, depois que tivesse encerrado meu estágio neste mundo, arrepiava-me. Se tal acontecesse, isso para mim significaria morrer duas vezes. O efeito seria o mesmo que depois de registrar em um livro a fórmula de todos os fatos acumulados durante a vida ele fosse depois rasgado e lançando à fogueira para que se queimasse. E para concluir meus sentimentos a respeito disso; sempre acreditei que a história é essencial para o aperfeiçoamento do ser humano e a base necessária com que se constrói a humanidade, enfim, uma civilização. Faltando essas bases, nada poderia se sustentar e às pessoas faltariam a essência, a substancia da razão de viver. Que inutilidade seria nossa existência neste mundo se tal acontecesse.
Sem história nada existe, pois é o passado e o presente que nos garante o futuro. Melhor dizendo: Ao escrevermos a história, estaremos dando um futuro ao nosso passado. Assim, é que resolvi escrever este livro: Construir a minha história particular e a história da minha família. Plantar e cultivar a arvore genealógica da família até onde for possível, para que, como fonte de informações, ela possa garantir um alicerce sólido, sobre a qual os Bertin tenham consciência de onde vieram e para onde irão. Apoiar-se-ão em suas próprias bases, entre outras. Além da minha memória, que já não é a mesma de tempos idos, conto com os recursos incríveis da internet e a boa vontade dos meus familiares, parentes e amigos. Conseqüentemente, ao contar a minha história, naturalmente, estarão inclusas as da minha família e de alguns amigos mais chegados.
Confesso que a tendência como autor é destacar somente as coisas que me darão valor moral e, conseqüentemente e convenientemente, ―esquecer‖ as atitudes que poderiam desfazer a pureza da imagem construída ao longo de minha vida. Procurarei evitar que isso aconteça, mas, quase com certeza não conseguirei, pois, nas minhas leituras sobre o assunto, não conheci nenhum autor autobiografado que tenha conseguido chegar ao fim, com sucesso.
No inicio, não revelei esse meu plano a ninguém. Quando revelei, minha esposa nada comentou e não mostrou interesse, mas, mais tarde, jocosamente comentou na presença dos sócios amigos do seu escritório a minha tentativa literária e inútil. Isso, de certa forma, ―jogou lenha na fogueira‖.
Dos meus filhos, obtive pouco interesse. Com eles, somente algo que mais parecia um monólogo. Que pouco durou enquanto novidade. Meus irmãos, talvez pela distância física que
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nos separa, pouco interesse demonstraram. Mas, complacentemente e pacientemente, pouco a pouco, muito pouco, demonstraram curiosidade, quando deixaram que eu lesse para eles alguns trechos do trabalho em franco andamento que já se fazia substancial. Para entusiasmá-los, prometi que colocaria tudo na Internet, no Windows Live. Por isso, procurem-no lá.
Não consultei Mario Cezar, porque ele estava na dele em preparação para enfrentar e aperfeiçoar seu estudo de Física Teórica, freqüentando o Mestrado, condição ―sine qua nom‖ para a conquista do com seu Doutorado9 na lá em São Paulo, após sua conclusão no curso de Física na UEM. Do Júlio Cesar, vislumbres de interesse. E a Tainã? Ela, também, se encontrava ausente, tentando prosseguir no estudo do seu demorado segundo grau e no seu sonho de jogadora de Basquete, lá, naquela terra maravilhosa e abençoada por Deus e pela natureza; Florianópolis, Santa Catarina10.
Restaram o Juliano, Felipe e a Daniela, filhos do meu primeiro casamento. Juliano não se manifestou claramente; Felipe por ausente ignora essa minha tentativa, restando Daniela, que naturalmente, não demonstrou seu interesse reservando-se nos seus comentários. Quanto aos meus irmãos e demais parentes, nenhuma manifestação, apesar de ter chegado ao ponto de quase implorar qualquer sugestão. O diálogo entre os membros da família anda difícil hoje em dia. Fica mais fácil com os amigos e mesmo com os estranhos. Por isso, o livro devera apresentar falhas na sua ilustração, com a ausência de fotos que não me chegaram às mãos. Entretanto, permitirei que uma cópia digitalizada em Word esteja disponível para aqueles que eventualmente queiram acrescentar algumas fotos dos seus descendentes. Farei mais, deixarei endereço eletrônico, onde deverá ser encontrada incompleta a Arvore Genealógica da nossa família Bertin. Anotem: BERTIN FAMILY IN THE WORLD, sob a responsabilidade de Alexandre Bertin.
Mas, mesmo nessa aparente omissão, que quero crer involuntária, tenho que agradecer à minha família, pois, se não me estimularam, pelo menos não tentaram nem ao menos dar sugestões, diretas ou indiretas, numa completa ausência de outros comentários sobre este livro que eu tive a coragem de escrever.
Pode ser que no decorrer do tempo eles acabem por se acostumar com a idéia e comentem algo como: ―Tanta gente importante que deveria fazer autobiografia e não o faz. E você vai fazer, por quê?‖ Por isso, devo agradecê-los, porque isso me deu tempo de me dedicar à obra, sem que tivessem exercido qualquer tipo de influencia sobre a minha decisão.
Mas, comentei a minha tentativa a alguns amigos que se não foram totalmente céticos, ao menos não fizeram comentários jocosos. O meu amigo Professor11, à época secretário do Prefeito José Cláudio, excelente escritor, experiente, ao tomar conhecimento da minha primeira tentativa na arte de escrever, ofereceu-me alguns conselhos que eu achei valiosos e os segui sem muito rigor, mas que me foram muito úteis.
Mas, um dos meus amigos que não agüentou e não deixou por menos, comentou: ―Eu gostaria de ter tanto tempo como você, que pode gastá-lo até em autobiografia‖ 12.
Achei o comentário pouco inteligente e resolvi ―fincar pé‖; decidi que não seria perda de tempo e que nada perderia com o tempo gasto com o livro - que provavelmente não será lido nem por meus familiares – e me utilizaria, pelo menos, de alguns minutos do dia, escrevendo-o.
9 - Hoje concluído. Prosseguindo no pós-doutorado.
10 - Essas anotações foram feitas naquela ocasião. Hoje ela já freqüenta o seu estudo superior.
11 - Reginaldo Farias, professor da UEM.
12 - Esse comentário não me abalou, pois, como aposentado, tenho todo o tempo do mundo.
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Durante algum tempo, por meses, adotei esse método de escrever diariamente, mesmo que fosse por alguns minutos de trabalho. Mas, infelizmente, nem sempre me foi possível encontrar tempo e disposição para dar prosseguimento ao livro. Assim, escrevi-o intempestivamente, à noite, logo ao chegar a casa, em fins de semana ou em feriados prolongados, ou quando estivesse sem vontade de assistir um bom filme ou uma navegada na internet, ou, ainda, quando estivesse com todo o tempo do mundo e nenhum compromisso com os meus familiares e amigos.
Síntese?
Não terei preocupação com a síntese desta autobiografia, ao contrário, direi tudo o que vier na minha cabeça, porque isto não é um romance ou uma ficção que eu tencione editar e torná-lo vendável. Mesmo porque, essa não é a minha intenção, pois, como já destaquei, muitas situações aqui colocadas poderão causar transtorno a pessoas aqui citadas o que, por exercício de imaginação de outras, certamente acharão cabeças para colocar carapuças.
E eu só gostaria de vê-lo publicado entre os membros da minha família a as respectivas gerações futuras.
Entretanto, ela contém fatos históricos e casos interessantes, informando detalhadamente certos fatos e verdades que não costumam ser publicados e, por isso, caso não tomem conhecimento, os meus amigos e familiares perderiam informações importantes da história e seus fatos, que certamente envolvem locais onde vivi e participei ativamente. Muitas revelações, muitos acontecimentos e ―segredos‖ estarão sendo aqui veiculados. Muitas intimidades virão à tona e isso me causa certa dificuldade, tornando muito difícil esta minha tarefa, mesmo porque, não tenho a intenção de magoar ninguém.
Insisto, este perfil autobiográfico se destina, na prática, apenas ao meu círculo familiar, meus descendentes, diretos e indiretos, que eventualmente, suponho, gostarão de saber sobre seus antepassados comuns, tal como eu estimaria e leria com muito prazer qualquer biografia ou autobiografia que algum ancestral ou parente meu tivesse produzido.
E também porque entendo que este livro com valor histórico restrito, poderá servir como base de estudos dos interessados, sobre determinados incidentes aqui constantes que ultrapassam os limites biográficos da família Bertin.
Terá interesse em lê-lo, também, quem desejar estudar a história registrada por um leigo como eu, história no período de tempo da minha vida, percorrendo com sua imaginação, as informações que estarei disponibilizando, envolvendo minha ativa participação por onde passei. O que incluem os fatos vividos nas cidades de Joaçaba (Cruzeiro do Sul), Luzerna (Bom Retiro de Campos Novos), Concórdia, Cornélio Procópio, Londrina, Paranavaí, Maringá e Itália13.
Poderá, também, ter interesse, quem desejar estudar e conhecer certos detalhes do sindicalismo urbano, patronal, dos tempos da ditadura militar que se iniciou em agosto de 1964 e depois, pois atuei diuturnamente nessa área desde 1973 por mais de 24 anos.
E os fofoqueiros? A estes, que doentiamente sobrevivem das fofocas, também este livro poderá servir de fonte de pesquisa e satisfação. Além dessas pessoas, somente um ou outro "sádico/masoquista" poderá se interessar por sua leitura.
Mas, vamos aos fatos:
13 Procure ver meu relato da viagem que fiz para a Europa, com a intenção de visitar e conhecer os locais em que as minha duas famílias Fontana e Bertin, tiveram origem. Começa na página 131.
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Luiz Júlio Bertin - Nesta foto, eu tinha apenas três meses de idade.
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(1940) Minha primeira comunhão com sete anos.
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(1951) Atirador n. 65 do Tiro de Guerra 163-Londrina.
Nasci em nove de janeiro de 193414. A cidade tinha então o nome de Cruzeiro do Sul (hoje, Joaçaba). Ao registrarem-me, Genésio Paz, o próprio dono do Cartório assinou como uma das testemunhas, a seu pedido, pois era muito amigo do meu pai e Oscar Bittencourt, outro amigo da família. Naquele ano o meu registro de nascimento levou o numero 13. – Fui registrado pelo meu pai no Cartório de Registro Civil a 18 de janeiro de 193415.
Fui batizado na Paróquia de Santa Terezinha do Menino Jesus (Frei Pio era o vigário geral e a Diocese pertencia a Lages, Estado de Santa Catarina), pelo Vigário Frei Caetano, no dia 23 de janeiro de 1934, no livro n° 3 de assentamento de batismo, às fls. 123, numero 98. Meus padrinhos foram Antônio Tonin (meu Tio) e Theresa Dalle Rive Fontana (minha avó).
Ali vivi parte a minha infância e, com 13 anos transferi-me para o Norte do Paraná, juntamente com a minha família, que decidira se mudar para, primeiramente Cornélio Procópio, depois Londrina e, mais tarde (setembro de 1967), somente eu..., para Maringá.
Em Cornélio dei seqüência aos meus estudos, mas também me iniciei como comerciante, namorei firme o meu primeiro amor16, ensaiando os primeiros passos no jornalismo, mudei-me para Londrina quando estava completando 14 anos, onde tentei continuar os estudos, sem
14 Ano em que surgiu a Carta Magna de 1934, reformando profundamente a organização da República velha, realizando mudanças progressistas, inovadoras, mas durou pouco, pois em 1937 uma constituição já pronta, foi outorgada por Getúlio Dorneles Vargas que o transformou em ditador e o Estado "revolucionário", em Ditadura. Nesse ano, a Copa do Mundo foi a primeira na qual os países tiveram que se classificar na disputa das Eliminatórias para poder participar. O Mundial de 1934 teve interesses políticos em jogo: o regime fascista subjugava a Itália e o ditador Benito Mussolini planejou transformar o evento numa espécie de propaganda pró-regime. A influência indiscutível de Mussolini se impôs em diversos aspectos, como por exemplo, a escolha pré-determinada de árbitros "suspeitos" nas partidas da anfitriã Itália. Mas foi também em janeiro desse ano que Adolf Hitler, discursando, entre tantas frases de efeito, pronunciou uma que é utilizada até hoje na política brasileira com a maior eficiência: “Quanto maior a mentira mais pessoas acreditarão nela”.
15 Consta do Registro: Nascimento n° 13-fls. 88V, livro 6 de rg. de nascimento consta o assento de Luiz Julio nascido aos 09-01-1934, às 20 horas e 30 minutos com domicilio nesta Vila, do sexo masculino, de cor branca, filho de Cesar de Oliveira Bertin, do comercio, natural do Rio Grande do Sul, e de Da. Elisena Fontana Bertin, domestica, natural do Rio Grande do Sul, sendo avós paternos Julio Emilio Bertin e Da. Laurentina de Oliveira Bertin e maternos Romano Fontana e Thereza Fontana. Foi declarante o pai em data de 18 de janeiro de 1934 e serviram como testemunhas, Genésio Paz e Oscar Bittencourt. Observações: Os pais do registrado são casados neste Cartório.
16 Chamava-se Carmem.
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sucesso, mas também me dediquei ao comércio e à tendência já demonstrada em Cornélio, procurando trabalhar na imprensa escrita e falada e após algumas peripécias, prestei concurso para Agente de Estatística do IBGE (Agencia Brasileira de Geografia e Estatística), isso já no ano de 1955.
Admitido e nomeado prestei serviço na Agencia de Londrina, por algum tempo, mas, no ano seguinte, fui transferido como Agente, para a cidade de Paranavaí. Em fins de 1957, após pedir demissão do IBGE, voltei para Londrina, para fundar com meus pais e irmãos a empresa familiar ―Decorações Bertin Ltda.‖ Ocasião em que acabei me casando e tendo três filhos e mudando-me para Maringá onde me divorciei, casando-me novamente, tendo mais três filhos e, onde resido até hoje.
De janeiro de 1934 até junho de 1947, fase de Joaçaba; compreendendo o meu nascimento, a meninice, primeiros estudos; 1947-48, e daí, minha fase de Cornélio Procópio, onde, praticamente minha vocação para o comércio ficou definida, com incursões na área da imprensa escrita e a minha primeira namorada Carmem; fase de Londrina, 1948, para onde me mudei, naturalmente com a família, onde reingressei na escola e, por insistência do meu pai, por um curto período, trabalhei como empregado na firma comercial dos Irmãos Fuganti, e, mais tarde como funcionário da Farmácia Minerva. Fui, também, embalador de pó de café na Torrefação e Moagem Fontana, do meu primo Domingos Fontana.
Comecei a me interessar no que o meu pai melhor sabia fazer, tapeçaria; não sem antes, relacionar-me com os jornalistas e radialistas da época. Um concurso público que me fez incursionar no funcionalismo público federal, minha nomeação para o IBGE e a minha ida para Paranavaí; fundação e inicio da empresa familiar ―Decorações Bertin‖ e a sociedade com meus pais e irmãos; meu casamento e minha mudança para Maringá para criar sucursal da empresa; meu divórcio; meu segundo casamento; minha atividade social e política; tudo isso, estarei mais à frente tentando descrever detalhadamente e da melhor forma possível, apresentando os assuntos em forma de capítulos encabeçados por títulos específicos que indicam cada faze da minha vida.
Como o leitor deve ter percebido, nesta introdução um tanto quanto resumida, acabei fazendo uma síntese das minhas atividades, quando inicialmente me propunha tão somente contar a minha história e a história da minha família, partindo do começo e terminando no fim.
Por isso, esta na hora de iniciar já e cumprir o prometido.
A fim de facilitar os eventuais leitores, como já afirmei, adotarei títulos que valerão como capítulos e farei esclarecimentos nos rodapés das páginas, destacando etapas da minha vida, tais como: Meus ancestrais; Minhas Viagens, Meus Amigos, Minha Vida no Comércio, comentários, etc...
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Meus ancestrais maternos.
Pietro Dalle Rive e Santa Caretta. Meus bisavós maternos.
Meus bisavós maternos: Pietro Dalle Rive e Santa Caretta nasceram na região de Vicenza, Vêneto, Itália. Ele nasceu em 1830 aproximadamente. Não tenho registro sobre ela. Entre seus filhos, Theresa Giovanna Dalle Rive, minha avó.
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Nessa foto, embora sofrivel, pode-se identificar o casal; Romano Domenico18 e Theresa19 Giovanna Dalle Rive Fontana, meus avós maternos.
17 Foto retirada do Livro autobiográfico “História da Minha vida” de Attilio Francisco Xavier Fontana
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Essa é uma cópia fotográfica do registro original do Casamento dos meus avôs Fontana, realizado em 31 de Janeiro de 1888, às vésperas do embarque no Porto de Gênova para o Brasil20 no navio Flório Robatino21. Pessoalmente e com a gentil permissão de Don Pompeo, Pároco local, que, em questões de minutos localizou o documento deixando-me fotografá-lo, por ocasião da minha visita à sacristia no dia 29 de janeiro de 2009, a Forni Val D´Astico22, na Paróquia de Santa Maria Madalena, Diocese de Vicenza.
―Romano Domenico Fontana (filho de Domenico Fontana e Domênica Munari), casou-se com Theresa Dalle Rive. Sua família nunca tinha trabalhado o solo23, mas Romano e Teresa decidiram vir ao Brasil para fazer L`América e chegaram aqui em 11 de fevereiro de 1888, logo após se casarem em 31 de janeiro do mesmo ano conforme documento de folhas 30 do livro de registro de casamentos da paróquia. Tinham destino certo e foram viver na cidade de Camobi, município de Santa Maria da Boca do Monte, R. G. do Sul. Lá eles tiveram seus 11 filhos que, por sua vez se casaram e constituíram família e, com seus filhos consolidaram uma
18 “Fontana Romano Domenico di Domenico”, quer dizer: Romano Domenico Fontana, filho de Domenico Fontana e Domenica Munari, nascido em Forni Val D´Astico em 22 de agosto de 1865. E ela, Teresa Dalle Rive, nascida em Vicenza em 24 de maio de 1865.
19 Existe divergência de informações nesse caso, mas, prefiro considerar como certo o registro lançado no seu atestado de óbito que atesta que ela nasceu em 24 março 1866 em Vicenza, Itália e faleceu em 9 novembro 1944 em Bom Retiro, SC, BR.
20 Avalio que meus avós maternos partiram de Forni Val D´Astico no dia seguinte ao casamento rumo ao Porto de Genova, embarcando para o Brasil em 02 de fevereiro de 1888. Essa viagem transoceânica demorou 09 dias até o Porto do Rio de Janeiro, pois chegaram no dia 11 de fevereiro. No dia seguinte, o mesmo transporte os levou para Porto Alegre, RS., e em seguida, em carro de boi, foram transportados a Camobi, Santa Maria da |Boca do Monte, Rio Grande do Sul, seu destino final.
21 - Também não há certeza quanto ao nome do navio que os transportou da Itália para o Brasil, mas, o transporte pertencia á Companhia de navegação Florio Robatino.
22 É assim que consta no original.
23 - Não eram agricultores e sim comerciantes.
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das mais prósperas famílias descendentes de italianos e se espalharam por todo o sul do Brasil e muitos em outros Estados brasileiros‖.
Essas palavras, (com pequenas adaptações), estão grafadas em língua italiana, no belo trabalho genealógico que a minha prima Maria Luiza Fuganti24 vem aprimorando dias a dia, disponibilizado na internet. Mas, ali ela afirma que o casal Fontana e a sua família não trabalhava a terra onde habitavam. Muito interessante essa informação e reforça o meu entendimento que, ao se instalarem no Brasil, não dependiam apenas daqueles 60 hectares de terra e demais vantagens financeiras oferecidas pelo governo brasileiro aos imigrantes que atendiam uma série de exigências do intercâmbio existente.
Sabemos que na origem, especificamente o Vale onde nasceram; Vêneto, Itália, as condições reinantes à época, deixavam pouca margem de independência aos habitantes da região. Todos tinham que trabalhar na lavoura ou nas poucas fábricas têxteis existentes. Participavam da produção, mas não podiam usufruir dela. Tal como as palavras ditas àquele Ministro das Finanças pelo emigrante italiano anônimo, que transcrevo em outra parte deste livro. Trabalhavam e produziam para os patrões distantes ou, quando muito recolhidos em suas mansões protegidas do rigoroso clima local. Se não tinham trabalhado a terra e nem prestado serviços a patrões, então, eram patrões. Nesse caso, não se pode aplicar aos Fontana, o mesmo tratamento com que sofriam os demais emigrantes italianos. Devem, então, terem enfrentado a viagem de navio na primeira ou segunda classe. Menos mal. Nas minhas pesquisas não encontrei provas do que realmente aconteceu. Suspeito que não passaram pelas privações dos demais compatriotas companheiros da sofrida viagem.
Mas, antes de detalhar neste livro a participação dos meus ancestrais Fontana, pode ser interessante tentar descrever aqui, a aventura que eles tiveram ao emigrar para o Brasil, terra desconhecida. Porque eles vieram? Porque vieram como imigrantes? Porque meus avós se juntaram às 21 famílias de Forni di D´Astico, localidade incrustada nos vales do Vêneto? E as milhares de pessoas que, desde o principio do século XIX emigraram maciçamente, deixando suas origens, para estabelecerem-se em terras estranhas? Como se combinaram os fatores estruturais, digo – as condições existentes na Itália, seu país de origem e seus destinos? – Se foi iniciativa dos próprios emigrantes que decidiram emigrar em função de seus projetos; de quais informações dispunham, quais suas relações sociais primárias; amigos, parentes, país?
Em primeiro lugar, as circunstâncias internacionais durante aquele período permitiram a possibilidade da emigração de europeus até a América do Sul. Os traços particulares que caracterizaram aquela "grande emigração" foram em certa medida a continuação de uma mobilidade geográfica anterior dentro da Europa, mas que apresentou características que a converteram em um fenômeno diferente, pelo volume do acontecimento e pela diversidade de destinos e a necessidade de vencer o Oceano Atlântico.
Ao chegarem aos seus destinos, esses emigrantes, encontraram o Brasil preparado para dar continuidade em suas políticas socioeconômicas internas, pois havia conquistado a pacificação política com o crescimento da economia e as transformações que reconheciam a necessidade de permitir mão de obra estrangeira, por justificados motivos econômicos, políticos, religiosos e sociais.
Culminando, por um contexto internacional e nacional que favoreceu o processo migratório de pessoas, de emigrantes que não responderam mecanicamente aos estímulos externos de iniciativa dos governos, mas que no caso em particular do Brasil, que se utilizou de propaganda culminando na decisão dos próprios emigrantes, que, depois de avaliarem as informações,
24 - http://pessoal.sercomtel.com.br/tuiza/direita.htm - Maria Luiza Fuganti - Tuiza, é o seu nome eletrônico. Consultem esse endereço, pois tem quase tudo das famílias Fuganti, Fontana e Bertin.
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decidiram expatriar-se, elegendo determinados destinos e resolvendo qual (is) membro(s) do grupo familiar emigraria (am) e quais permaneceriam em seus locais de origem.
Dentro dessas perspectivas, foram diversas as vias pelas quais os emigrantes potenciais obtinham noticias das inúmeras possibilidades que ofereciam nos eventuais países de destino, e quais as opções concretas a partir das quais tomaram suas decisões. Por um lado, as informações proporcionadas por agentes do governo, das Companhias de Colonização ou das Companhias de Navegação e aquelas que os emigrantes obtinham através de suas relações com parentes, amigos e vizinhos. Utilizaram-se, também, de suas próprias redes de informações para objetivos mais práticos, tais como, onde obter trabalho e alojamento para si, suas famílias e amigos ao chegarem aos seus destinos?
Assim mesmo, as motivações que os fizeram abandonar a pátria, levavam em consideração entre tantas, o quadro predominante de pobreza e a ausência de ofertas satisfatórias que podiam ser das mais variadas: O desejo de melhorar suas próprias experiências profissionais; o retorno das condições que deveria impedir a proletarização do grupo familiar em seu povo de origem; o de evitar as baixas condições sociais e a marginalização social e política sem perspectivas em suas localidades, assim como a comparação com outros lugares com melhores condições de vida. Fator importante e que influenciou os Fontana a se decidirem pela emigração, foi, a conclusão da estrada de Arsiero em 1883. Essa estrada, embora não tenha sido decisiva, facilitou muito para os emigrantes que, até então, encontravam sérias dificuldades de locomoção, além dos limites da região.
Havia, na época, países que recebiam os emigrantes, mas eles foram variando com o tempo. Durante a maior parte do século XIX, os maiores contingentes de emigrantes saíram do norte da Europa ocidental, com as Ilhas Britânicas - incluindo a Irlanda, seguida da Alemanha25 e em terceiro lugar pelos países escandinavos. Durante os primeiros decênios do século XIX, a emigração do noroeste europeu se dirigiu a América do Norte, o que os ajudou a consolidar a formação anglo-saxão que caracterizou aquelas terras do Novo Mundo. Os fluxos menos intensos, procedentes de Espanha, Itália, Portugal e, em menor medida, da Polônia e Rússia (que tomou importância logo que os Estados Unidos encerraram a imigração a estes grupos em 1921) se concentraram na América Latina e tiveram uma característica diferente da população das terras norte americanas.
Desde a segunda metade do século XIX os principais países de emigração foram os da Europa do Sul - Itália e Espanha - e da Europa centro-oriental, zonas que adquiriram certa predominância nos movimentos transoceânicos. Os países que, como os Estados Unidos, receberam imigrantes desde começo do século XIX, do ponto de vista de alguns historiadores, esses emigrantes foram os mais privilegiados em seus destinos seguindo a velha emigração da Europa do Norte; aqueles que, como o Brasil e a Argentina, abriram mais tardiamente as portas aos emigrantes, receberam em troca, majoritariamente, europeus do Sul e do Este. Durante a primeira fase, da "old inmigration", a que se dirigiu ao norte americano e Austrália, os fatores de expulsão parecem predominar sobre os fatores de atração. Há uma estreita interdependência recíproca. Os componentes qualitativos eram os critérios que acolhiam os primeiros imigrantes, e as políticas governativas exerceram uma função determinante na orientação dos fluxos migratórios.
Na segunda metade do século XIX amadureceram as condições para a entrada de outros países europeus que até o momento haviam permanecido à margem do fenômeno migratório. A consolidação das economias americanas, e em particular a estadunidense, trás a Guerra de Secessão (1861-1865), e a revolução dos transportes marítimos, que favorecem o êxodo da Europa em proporções gigantescas. A produção industrial do mundo aumenta sete vezes
25 Mais corretamente, dos estados que se constituíram no futuro o Império Alemão.
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nesse período, permitindo uma forte acumulação de capital e a progressiva conformação de um mercado mundial.
Os economistas do século XIX se convenceram que agora era diferente dos séculos precedentes, quando se consideravam negativamente os processos migratórios; agora os vêem de modo positivo, como instrumento para descarregar as populações excedentes e as tensões sociais, em outros territórios, assim como para criar novos mercados. Passam a considerar predominante essa fase contendo os fatores de atração para a formação de um verdadeiro mercado internacional do trabalho. Também a Argentina e o Brasil se adaptaram, a partir dos anos 80, adotando políticas governativas e os incentivos dirigidos a atrair trabalhadores europeus para preencher setores carentes das suas economias. Durante os últimos vinte anos do século XIX, os dois países latino-americanos, conseguem absolver mais de um quinto de toda corrente migratória européia.
Parte do excedente populacional migrou dentro de Europa: Em alguns casos se tratava de movimentos migratórios entre regiões de um mesmo estado nacional, e em outros de emigrações para outros países europeus. França, por exemplo, foi um país cuja população se moveu muito pouco e quase não houve emigração, com raras exceções26, pois seu crescimento populacional ao largo do século XIX foi o mais baixo da Europa. Era mais um pais que recebia emigrante, pois necessitava constantemente de mão de obra para o seu mercado interno.
Viagens dos Emigrantes.
Para os emigrantes, a viagem começava no momento em que partiam de suas casas, de suas terras, para se dirigirem aos portos de embarque. No local de embarque a partida era um acontecimento coletivo, e seus protagonistas se constituíam de escassos grupos de parentes e amigos que ali estavam para se despedirem dos emigrantes que se dirigiam ao exterior de acordo com um itinerário prefixado. Naquela época, o transporte coletivo de pessoas, praticamente não existia. Por isso, as emoções das despedidas já as haviam esgotado antes de se dirigirem ao porto de embarque. Os emigrantes, já no local de embarque, o que se via eram olhares voltados para o caminho feitos e antecipadamente saudosos e tristes com a esperança estampada em seus rostos pelas fantasias que seus sonhos permitiam.
Desde meados do século XIX os meios de transporte eram por terra; as estradas de ferro e por água, com os barcos a vela, que foram aos poucos sendo substituídos pelos navios movidos a vapor.
O extraordinário impulso que a navegação transoceânica recebeu durante toda a segunda metade do século XIX, até a Primeira Guerra Mundial, tornou possível tecnicamente e materialmente a grande emigração européia até o Novo Mundo. Os progressos da navegação contribuíram para com a integração do mercado mundial, unindo a mercados distantes entre si, alimentando o fluxo crescente de pessoas e mercadorias à medida que decresciam os custos e as facilidades dos transportes.
A revolução dos transportes marítimos provocou uma redução sustentada dos custos das passagens. Baixo custo e rapidez das viagens transoceânicas permitiram ampliar a área de recrutamento dos emigrantes agregando às tradicionais regiões de emigração da Europa do Norte, das zonas de Europa oriental e mediterrânea. Também tornou possível, sobretudo no começo do século XX, uma nova forma de emigração com características turísticas e uma
26 Com certeza, uma das exceções foi a emigração dos meus avós paternos, Bertin e de grupos esparsos de franceses que formaram nos meados do século 19, duas ou três colônias no Rio Grande do Sul..
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emigração temporária de pessoas que escolhiam seus destinos transoceânicos, no desejo de voltarem às suas origens, logo que fizessem um ―pé de meia‖.
Para iniciar suas temerárias aventuras, as 22 famílias dos emigrantes Vênetos, se dirigiam ao porto mais próximo aos seus locais de origem e ou, se utilizaram das facilidades que a Companhia de Navegação oferecia. Partiram especificamente do Porto de Gênova. A viagem se transformou para eles em um pesadelo, de odores terríveis, de excesso de frio ou de calor, segundo condições em que foi realizada, em total e intolerável promiscuidade.
De todos os modos, as condições variavam também entre as diferentes companhias de navegação. Os navios que desembarcavam emigrantes nos diversos portos da América do Sul, principalmente nos portos de Rio de Janeiro, Santos, Itajaí, Florianópolis, Porto Alegre, no Brasil e em Buenos Aires na Argentina, além da terceira classe, dispunham agora também de uma confortável segunda classe. A partir daí, as inúmeras exigências dos emigrantes começaram a ser atendidas e acabaram por fazer parte dos regulamentos que exigiam das empresas transportadoras, melhores condições para aqueles que chegavam à segunda ou terceira classe, Além disso, as embarcações passaram a ter uma luxuosa primeira classe27.
Na terceira classe, viajavam a maioria dos emigrantes; na segunda classe, com características menos definidas, meus Avôs Fontana se juntaram aos emigrantes que possuíam melhores condições financeiras e permitiam uma viagem mais cômoda. Além disso, compunham essa classe de passageiros, viajantes comerciais e os religiosos, burgueses e de pequenos comerciantes. Na primeira classe estavam os ricos, geralmente argentinos de regresso de suas viagens e entre eles, franceses, espanhóis e brasileiros. A esses se devem juntar os profissionais-funcionários médicos de bordo, os oficiais, os religiosos e funcionários públicos de diversos países. Todos eles faziam o mesmo itinerário, mas, com trajetórias paralelas separadas por um abismo social. Durante a viagem, os passageiros de primeira e de segunda eram separados rigorosamente dos da terceira classe28. Tanto estes como aqueles não podiam participar dos folguedos e incursões, quando muito, podiam se utilizar de poucos espaços apenas de passagem aos seus territórios.
As diferenças sociais eram evidentes desde o momento do embarque nos navios, até o desembarque. Da minha nona Fontana ouvi seu dramático testemunho narrado por ela quando os mais velhos da família se reuniam ou nas poucas oportunidades em que eu prazerosamente privava da sua companhia em seu café da manhã, lá em Bom Retiro29:
Dizia ela, entre lamentos sussurrados, referindo-se ao momento do seu desembarque: ―A diferença entre a elegância dos passageiros de primeira classe que atravessava a multidão de miseráveis com suas roupas e rostos de todas as partes da Europa, era enorme‖. Contrastando em suas roupas caras e elegantes, os ricos e felizes senhores e suas esposas, viam suados e robustos trabalhadores de olhos tristes, velhos andrajosos e sujos, mulheres com olhares esperançosos, mas assustadas e embaraçadas, de inocentes mocinhas alegres, rapagões ariscos de olhos curiosos em mangas de camisa, o alvoroço de crianças esqueléticas.30
Como a maior parte deles havia passado a noite ao ar livre no convés para fugir do ar sufocante dos alojamentos da terceira classe - amontoados como cães nas ruas de Gênova – dizia a minha nona, não podiam se manter de pé, prostrados pelo sono e pelo cansaço. Operários, campesinos, mulheres com crianças de peito, portanto em seus pescoços pequenas
27 Em 1961, no Porto de Santos, visitei dois desses navios que preenchiam essas novas condições, modernos e seguros, que passaram a servir as linhas internacionais, o Andrea Dória e o Frederico C. Eles possuíam acomodações especiais para os viajantes, o que amenizava a dor da saudade e fazia as delicias dos viajantes.
28 Quem nunca ouviu falar do grande desastre que foi o afundamento do navio Titanic em sua viagem inaugural?
29 Onde acontece anualmente festa Nacional do Churrasco. Como atrativo, foi construído o Monumento ao Churrasco, instalado às margens da BR 282, Bom Retiro SC. Esculpido em concreto e mede 2.4 m de altura.
30 Abaixo, veja o quadro a óleo de artista italiano, eternizando o momento da chegada de uma família de imigrantes europeus no Porto de Santos.
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correntes de metal em cuja extremidade pendia uma chapa de metal identificadora do asilo que haviam freqüentado31. Sacos e valises de todas as classes, transportadas na mão e na cabeça; fardos de mantas e colchões sobre os ombros e preso entre os lábios o bilhete com o numero da sua licença de embarque e desembarque, que era coletiva, pois essas licenças somente eram concedidas coletivamente. Todos da mesma família.
Cena registrada por pintor da época de imigrantes italianos no porto de Santos.
Geralmente, os navios chegavam a seus portos de destino e as providências para o desembarque eram demoradas em razão da burocracia adotada em cada caso e em todos os porto. ―Para os que deviam desembarcar chegada a hora, todos os emigrantes eram obrigados a desembarcarem por perigosas escadas para atingirem o cais e a passarem diante de uma mesinha, junto à qual permanecia sentado o encarregado que os reunia em pequenos grupos, chamando-os, enquanto apontava seus nomes em uma folha pautada. Era com essa folha que os funcionários alfandegários controlavam os estrangeiros e também serviam de identificação que lhes permitiam a insuficiente alimentação proveniente de uma cozinha próxima, oferecida pelo governo‖. Para os que deviam seguir viagem, normalmente, permaneciam em seus navios, aguardando a lentidão da iniciativa burocrática, servindo-se da agora renovada alimentação servida a bordo.
Pouco me recordo de toda a história que era evitada ser repetida por todos os agora imigrantes, meus parentes, dado o imenso sofrimento e angustia por que haviam passado desde que decidiram se aventurar no Novo Mundo. E, olhem que, ao se decidirem de enfrentar a temerária viagem, os Fontana, levavam consigo algum recurso financeiro, economizados a duras penas.
O caso dos meus bisavós paternos foi diferente, pois eles não vieram para o Brasil engrossando as levas de emigrantes europeus italianos e alemães que tinham uma missão; que era a de trabalhar, reforçando a carência provocada pela ausência de mão de obra nas lavouras do Estado de São Paulo e em menor número outros Estados do sul.
Meu bisavô Augusto Otto Louiz de Bertin era médico e sua esposa Jancina de origem dinamarquesa, professora, cuja qualificação lhe possibilitou ensinar a língua francesa logo que chegou a Porto Alegre. Em outra parte deste livro, onde me dedico a registrar esses e outros fatos da minha parte francesa, estarei informando com melhores detalhes esses acontecimentos.
31 Naqueles tempos de penúria, os governos europeus haviam instituídos numerosos asilos que eram mantidos para acolherem as crianças das famílias mais necessitadas e que eram retiradas por suas mães que emigravam. Por isso as identificações em seus pescoços.
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DAS RAZÕES DA IMIGRAÇÃO DE ESTRANGEIROS NO BRASIL.
A história brasileira, seja no período colonial, seja no período pós 1822, sempre foi marcada por profundas desigualdades sociais, especialmente no que diz respeito aos brancos e negros. Com a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, os negros finalmente foram declarados livres e já se poderiam considerar cidadãos brasileiros.
"A abolição do regime servil, em 1888, deixou a massa de ex-escravos nas posições mais baixas da hierarquia sócio-econômica". (HASENBALG; SILVA, 1988, p.121). A partir daí o que se deu foi a total exclusão e marginalização da maioria dos negros brasileiros, amparada pela substituição da mão-de-obra por imigrantes europeus.
"A solução imigracionista articulava-se (...) como parte de um projeto de modernização do país a mais longo prazo, no qual o embranquecimento da população nacional contava como uma das conseqüências mais desejadas". (HASENBALG; SILVA, 1988, p RAZÕES. 129) 32.
Particularmente, no Rio Grande do Sul, o embranquecimento, ou branqueamento, como queiram da população, estava amparada em teorias racistas que vigoravam naquele período e que exaltavam os povos da Europa e que subjugavam os negros, índios e orientais como raças inferiores e cheias de influências negativas. O que se buscava com a imigração era mudar a cor da população brasileira e extirpar cada vez mais o negro da sociedade.
Para o emigrante europeu, a motivação para o trabalho estava definida pelo desejo de ascensão social. O sonho de ―Fazer L´América” facilitava a submissão à disciplina de um trabalho árduo e obsessivo que permitiria, no campo, a aquisição da propriedade de terra e, nas cidades, o estabelecimento de um negócio próprio. Eram essas as fontes da energia canalizada para o trabalho, a qual teria facilitado o processo de adaptação às condições hostis tanto na produção agrícola quanto na produção comercial e industrial.
Estima-se que, entre 1850 e 1914, 20 milhões de pessoas emigraram da Europa para a América, principalmente para os Estados Unidos, Brasil e os países da Bacia do Prata. Foi o maior movimento migratório internacional da história dos povos até aquele momento. E não foi só esta migração do centro do capitalismo para a sua periferia, sem dúvida a maior. Os asiáticos, principalmente os chineses, também emigraram para a própria Ásia e para a costa do Pacífico nos Estados Unidos (Hobsbawm, 1977).
Na Europa, o intenso progresso técnico na indústria e, posteriormente, na agricultura, mesmo com a tendência à desaceleração do crescimento vegetativo da população, contribuiu para gerar um excedente demográfico não absorvido pela economia que foi ―exportado‖ para as nações ascendentes. Outros fatores contribuíram para a aceleração das emigrações, como a crise econômica dos anos 1873-90, determinada pela acirrada concorrência intercapitalista. Aliás, as repercussões desta crise nas economias dos países mais avançados não foram tão notáveis a ponto de comprometer a tendência histórica de crescimento. Poder-se-ia também falar da instabilidade política. A Europa estava dividida em impérios e alianças, Estados fortes que competiam na conquista de maior espaço para as suas economias e sociedades. O resultado foi a Primeira Grande Guerra Mundial.
Mas tanto a crise econômica quanto a instabilidade política foram apenas aceleradores do movimento das emigrações internacionais, que tiveram suas raízes, fundamentalmente, na reestruturação produtiva do capitalismo, que potencializou o excedente demográfico europeu, e na inédita integração econômica do mundo, fortalecida pelo fantástico progresso técnico do Vapor nos transportes de curta e longa distância.
32 Permita-me o autor desses dois parágrafos entre aspas, que me utilize dessas informações, com o único objetivo de melhor informar meus possíveis leitores.
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A facilidade de locomoção e comunicação e a integração econômica internacional possibilitaram uma internacionalização do mercado de trabalho. Na própria Europa, à curta distância, e principalmente no circuito Europa-América, à longa distância. Vale à pena voltar a discutir o caso brasileiro, em que as imigrações internacionais foram decisivas para a constituição do mercado de trabalho e da própria formação étnica e cultural da nação.
No Brasil, os governos do Império e da Primeira República programaram políticas no sentido de estimular e atrair estes fluxos internacionais. A incapacidade social de se formar um mercado de trabalho capitalista para a economia cafeeira e para as indústrias emergentes, principalmente em São Paulo, só foi superada com a entrada maciça dos imigrantes. Por um lado, havia a incapacidade de renovar o plantel de escravos de se reproduzir segundo a demanda da economia cafeeira, já que estava vedado o comércio internacional por ser ilegal. Por outro lado, não houve, na proporção necessária, a proletarização de grande parte da população rural, que estava ainda presa a relações de trabalho pré-capitalistas e sujeita a forte controle social e político. Sem a proletarização, as migrações internas ainda eram dificultadas pela inexistência de um sistema de transporte para longas distâncias. Esse lapso histórico entre a ausência de migrações internas e a demanda por força de trabalho foi preenchido pela imigração.
Como já foi mencionada acima, a deliberada política governamental de atrair imigrantes estrangeiros estava também ligada ao objetivo explícito de ―eugenizar― a força de trabalho no Brasil, marcada pelos séculos de escravidão. Apesar destes objetivos ética e socialmente deploráveis, a miscigenação produzida por essa confluência de povos e culturas distintas trouxe contribuições fundamentais para a formação social brasileira e a sua configuração como nação.
O período no qual se deu a maior entrada de imigrantes no Brasil foi entre 1890 e 1929, com destaque para o decênio 1890 a 1899, quando aqui chegaram quase 1,2 milhões de emigrantes. Nesses anos, os fluxos foram praticamente comandados pelas políticas de subsídio à imigração e pelas necessidades da economia cafeeira em expansão para o Oeste Paulista. Os italianos eram nitidamente predominantes, mas os portugueses e espanhóis também se destacavam.
Até 1900, mais de um milhão de estrangeiros entraram no Brasil. A maioria daqueles que vieram para o Estado de São Paulo teve como destino as fazendas de café. Mas nem todos eram camponeses e pessoas sem recursos. Alguns chegam como comerciantes e se estabelecem com pequenos comércios e indústrias. Muitas fortunas foram construídas com a participação direta desses emigrantes que se utilizavam o então permitido trabalho feminino e infantil. Legal na época por falta de Leis especificas, mas imorais, quanto à sua orientação.
Algumas economias foram trazidas para se começar a vida. Em São Paulo, Francesco Matarazzo, fundador das Indústrias Matarazzo, começou negociando banha de porco e, em pouco mais de três décadas, acumulou 365 fábricas em seu patrimônio. Rodolfo Crespi, de agente de tecidos de uma indústria italiana, tornou-se dono de cotonifício com o seu nome. Os Ramenzoni (chapéus) e os Scarpa (tecidos) começaram como operários.
No Rio Grande do sul, meus ancestrais maternos, os Fontana, no pequeno distrito de Silveira Martins, com pequenas economias e muito trabalho, iniciaram suas atividades comerciais numa pequena propriedade agrícola. No início, uma economia de subsistência e, uma vez assegurada a sobrevivência da família, inteligentemente, reconhecendo que praticamente o único meio de transporte da época era o carroçável e, por isso mesmo tudo se movia por
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tração animal, eqüinos e muares, iniciaram com o enfardamento de alfafa33 com produtos colhidos por seus vizinhos e acabou ampliando esse comércio ao longo da sua permanência na região e mais tarde, no seu novo endereço, Bom Retiro, hoje Luzerna34, para onde se deslocaram em fins da segunda década do século XX, facilitados pela já consolidada Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande do Sul, que ligava confortavelmente a cidade de Santa Maria da Boca do Monte à Luzerna, em Santa Catarina.
Como sabemos daí surgiu um dos maiores empreendimentos de que se tem notícia, as empresas do Grupo Sadia, que reúne hoje um dos maiores conglomerados de empresas no Brasil, equiparando-o aos maiores do mundo. Sadia Transportes Aéreos (hoje extinta), Frigorífico de Concórdia, de Toledo, Moinho da Lapa e dezenas de outras indústrias que se localizam em diversos lugares, com milhares de empregados.
Meu tio Atillio Francisco Xavier Fontana35, o mais novo dos irmãos homens, irmão da minha mãe, foi o grande comandante desse império.
Dados nos mostram que até 1903, 70% da emigração para São Paulo foi constituída de italianos. Por denúncias de maus-tratos, a partir de 1902, o governo italiano proibiu a emigração subvencionada para o Brasil. Isso resulta no crescimento da entrada de outras nacionalidades, inclusive de japoneses a partir de 1908, em relação a quem a elite paulista cultivava enorme preconceito36. As regras do jogo eram claras: negros e asiáticos não eram bem-vindos, bem-vindos era o branco europeu.
O movimento imigratório foi fundamental para o desenvolvimento e conseqüente modernização do Estado de São Paulo e do Brasil, porém a história da imigração está para ser contada. Nota-se a insuficiência de trabalhos sobre o tema e sobre os grupos de imigrantes e suas etnicidades. Nesse campo, os estudiosos e pesquisadores privilegiaram apenas a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e não se preocuparam em adentrar no âmago que identificariam as características dos grupos familiares desde as suas origens.
Embora haja no país pesquisas voltadas para a história de famílias, de pioneiros e relatos autobiográficos, contemplando fartamente certos grupos, como é o caso dos japoneses e principalmente dos italianos, pouco se sabe dos detalhes que abrangem os imigrantes dos demais países, principalmente, se houve ou não imigração e por quais motivos grupos franceses emigraram para o Brasil. Tenho o relato de presença de famílias francesas no interior do Rio Grande do Sul. Com muitas dificuldades localizei relatos de imigrantes originários da França e o pouco que consegui foram escassos detalhes da participação dos meus bisavós, Bertin, foi através dos meus avós paternos em uma visita que nos fizeram lá pelos anos de 1943 ou 1944 em Joaçaba e, alguns relatos inseguros dos meus parentes mais idosos, alguns, filhos dos meus tios, contemporâneos dos meus Avós, ainda encontradiços no Rio Grande do Sul.
Alternativa Para os Emigrantes Italianos.
33 - Alimento indispensável aos animais em geral. Pode-se considerar que era a gasolina da época.
34 Luzerna no idioma italiano significa alfafa.
35 Fontana deixou uma espécie de autobiografia editada em forma de livro e publicou-o sob o título: “História da Minha Vida”. Por ter sido um homem público - pois assumiu durante a sua existência “n” cargos políticos, sendo sido eleito inúmeras vezes como Vereador, Prefeito, Deputado Estadual e Federal, Senador e Vice-governador do Estado de Santa Catarina - seu livro identifica-o mais como empresário e político do que com sua vida privada.
36 Esse preconceito perdurava ainda na década dos anos 40, pois, lembro-me que quando cheguei a Cornélio Procópio em 1947, os japoneses eram tratados por “bodes”, numa clara manifestação preconceituosa. Isso não perdurou por muito tempo, em razão do reconhecimento que os brasileiros têm desse povo ordeiro e trabalhador.
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O Brasil surgiu como uma alternativa para emigrantes italianos. Afinal, qual era o grande sonho daqueles emigrantes e o que os impulsionava a abandonar suas aldeias, cidades a se lançarem a uma longa e imprevisível viagem? Sem dúvida, a busca de melhores condições de vida e oportunidades os encaminhou para além de suas fronteiras. Além de fugirem da insuportável penúria em que viviam, muitas vezes sem nenhuma oportunidade de emprego e com suas famílias alimentando-se de raízes e cereais insuficientes para as suas dietas alimentares, já era motivação suficiente para essa aventura.
Para que o leitor possa avaliar melhor as circunstancias do momento, eis o que um emigrante falou para o Ministro das Finanças italiano, presente por ocasião da partida de centenas de italianos para o Brasil, por ocasião da sua visita ao Porto de Gênova – ele tentava desestimulá-los para que não abandonassem a Itália37:
“Que entendeis por uma nação, Senhor Ministro? É a massa dos infelizes? Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos o pão branco; cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho; criamos animais, mas não comemos a carne. Apesar disso, Vos nos aconselhais a não abandonar nossa Pátria? Mas é uma Pátria a terra onde não se consegue viver do próprio trabalho?”
Mas, além de deixarem para traz todas as injustiças que sofriam, pois nem sequer eram considerados cidadãos, para o emigrante, a motivação para o trabalho tinha como ingrediente, também, o desejo de ascensão social. O sonho de ―Fazer a América” facilitava a submissão à disciplina de um trabalho árduo e obsessivo que permitiria, no campo, a aquisição da propriedade de terra e, nas cidades, o estabelecimento de um negócio próprio. Eram essas as fontes da energia canalizada para o trabalho, a qual teria facilitado o processo de adaptação às condições hostis, tanto na produção agrícola quanto na produção industrial e comercial.
A aventura marítima tinha ficado para traz, mas permanecia na memória de cada um as péssimas condições sanitárias e de higiene que nos navios levaram à ocorrência de muitos óbitos durante as viagens, em decorrência de epidemias, surtos de sarampo e cólera. Ao chegarem aos seus destinos, o quadro não seria muito diferente. A falta de assistência médica a partir do desembarque, no campo e nas cidades gerava uma grande mortandade entre os emigrantes. Tanto é que, para abrigar os filhos de emigrantes órfãos, uma instituição religiosa italiana, criou, em 1895, o orfanato Cristovão Colombo, na cidade de São Paulo e outros tantos de inspiração italiana, alemã e, francesa no Rio Grande do Sul. A bibliografia faz pouca referência a temas como a reemigração, por exemplo, que foi considerável, tanto à fuga desses emigrantes para a Argentina, que abandonaram seus compromissos contratuais e para lá se deslocaram, como o retorno aos seus países de origem. A perda de familiares, de referências e de identidade levou inúmeros deles ao enlouquecimento e, às vezes, ao suicídio, tal a desesperança. Essas e tantas outras questões correlatas à imigração ainda estão para ser exploradas.
Para se defender em terras estrangeiras, os próprios emigrantes criaram as entidades de ―socorros mútuos‖. Elas são encontradas em várias cidades e na capital dos Estados. Não havia sindicatos e nenhum órgão para resolver questões entre empresários e empregados, fazendeiros e colonos. Os emigrantes eram freqüentemente roubados na quantidade de café colhido, maltratados e multados por falhas não cometidas. Isso acontecia também nos Estados do sul.
Para serem acolhidas nos seus locais de destino, as famílias eram obrigadas a assinarem contratos que as tornavam, praticamente, escravas dos seus contratantes. Devido a isso as freqüentes fugas das fazendas, aliadas às proibições de imigração da Itália (1902) e Espanha
37 Pode parecer um contra censo essa afirmação, pois a emigração dessa massa possibilitou aos italianos uma franca recuperação econômica com a diminuição da população e, ao mesmo tempo supriu as necessidades dos Governos que receberam essa população carente.
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(1910), foram alguns dos principais problemas enfrentados pelos empresários e cafeicultores de São Paulo.
No sul, isso também ocorria, mas em menores proporções, pois esses imigrantes tinham sido contratados para outras finalidades que não fossem a substituição da mão de obra provocada pela ausência dos negros e nativos. A grande maioria foi contratada com a finalidade indisfarçável para o branqueamento da população e para o povoamento das regiões praticamente desertas do Rio Grande do Sul. À época da chegada do meu avô Augusto Otto Luiz de Bertin e sua esposa, a população do Rio Grande do Sul não atingia duas dezenas de milhares de habitantes.
Criou-se o Patronato Agrícola em 1911, órgão que passa a intervir quando os contratos eram desrespeitados. A partir disso, surge uma política imigratória que oferece melhorias nas condições do colono e atrativos para seduzir os ―imigrantes para o café‖. Os italianos, que constituíram a grande maioria naquele momento, passam a conviver cada vez mais com imigrantes de outras nacionalidades e etnias.
Porto Alegre, RS.38.
Nossa cidade em questão - Porto Alegre - As ações de saúde mais empregadas na época tinham por objetivo o saneamento urbano e a regulamentação das habitações, além do isolamento dos doentes e a desinfecção de seus pertences durante as epidemias de doenças transmissíveis, em especial a febre amarela e a varíola. Mostra como somente com o Código Sanitário de 1980 o campo e seu morador passam a receber maior atenção do poder estadual, com ênfase na profilaxia de endemias como a malária e a doença de Chagas, através da regulamentação das condições de higiene e salubridade das moradias e do meio rural.
Dentro desse quadro, pode-se inserir a participação do meu bisavô paterno Augusto Otto Louis de Bertin, médico, que residia na cidade desde 1865, agora sem os encargos adquiridos por contrato com o Governo Brasileiro, cujo objeto era o de prestar seus serviços médicos aos soldados do Exército brasileiro, no Estado do Rio Grande do sul.

Um comentário:

  1. Olá Bertin, tudo bem ? Não sei se você se lembra de mim, sou a jornalista do Sivamar, te entrevistei numa ocasião para uma matéria do jornal Sivamar. Agora temos um revista e estou produzindo outra matéria, sobre a história do sindicato. Na verdade é uma série de matérias, que começará justamente com a sua gestão e a sua trajetória na entidade. Estou produzindo o texto com base na sua autobiografia - que tomei a liberdade de consultar para pegar alguns depoimentos seus sobre o sindicato. Depois que terminar o texto, pretendo enviar pra você dar uma olhada, pode ser?
    Eu preciso de um outro favor. Na sua autobiografia vi que você tem algumas fotos históricas que me interessam, para publicarmos nesta matéria que estou produzindo. Será que você poderia me arrumar? As fotos são as seguintes: 1 - Luiz Julio Bertin e João Kracik Neto, Presidente da Federação do Comércio Varejista do Estado do Paraná. Foto da ocasião em que fui eleito Vice Presidente da Fevarejista. 1976.

    - Fachada da Loja (Decorações Bertin) no final da Rua Hugo Cabral, onde aparecem em primeiro plano, alguns funcionários e eu e, logo atrás, Bruno e Heitor..
    Desde já agradeço sua atenção

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